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segunda-feira, maio 11, 2009

DIREITO REGULATÓRIO: A APLICAÇÃO DA LEI AMERICANA SARBANES-OXLEY NO BRASIL

Esse é mais um rascunho de um artigo que um dia eu termino de escrever.

INTRODUÇÃO

            Em 2001 uma série de escândalos financeiros nos Estados Unidos abalou a confiança do mercado. Dentre os quais os casos Enron e WordCom podem ser considerados como o ponto alta dessa crise exigindo medidas urgentes. Observa Sebastião Bergamini Junior, que "a credibilidade corporativa atingiu o seu nível mais baixo com o escândalo da WorldCom, trazendo consenso sobre a urgência de serem implementadas novas medidas legais de proteção aos investidores. Essas medidas se materializaram em 30 de julho com a promulgação, pelo presidente americano, da Lei Sarbanes-Oxley." (JUNIOR, 2002)

            A SOX, contração de Sarbanes-Oxley, como é mais conhecida, “é voltada principalmente para companhias de capital aberto com ações nas bolsas de valores ou com negociação na Nasdaq. Muitas de suas regulamentações dizem respeito à responsabilidade corporativa pela veracidade de conteúdo dos relatórios financeiros produzidos e pelo gerenciamento e avaliação dos controles internos”. (SADY, 2005)

            Dois motivos são os justificadores do estudo dessa lei no Brasil. O primeiro é que com a abertura de capital de várias empresas brasileiras no mercado americano o tema tornou-se de fundamental importância, pois essa lei afeta diretamente essas empresas multinacionais (ou transnacionais) com sede no país de origem, devendo se adequar ao dispositivo normativo americano.

            O segundo é o surgimento de uma “regulação” no mercado societário, que tem como linha de base a SOX, chamado de Novo Mercado que “é um segmento de listagem destinado à negociação de ações emitidas por companhias que se comprometam, voluntariamente, com a adoção de práticas de governança corporativa adicionais em relação ao que é exigido pela legislação”. (BOVESPA)

            Antes de tratarmos do tema propriamente dito iremos trabalhar alguns conceitos importantes para o bom entendimento do trabalho. Primeiro fazendo um panorama sobre o direito societário brasileiro, focada nas sociedades anônimas.

            Na segunda parte trataremos das formas como a SOX influencia o mercado nacional, primeiro falando sobre as empresas brasileiras que abriram seu capital no mercado americano, focando assim nas implicações dessa investida e depois sobre o Novo Mercado que é a regulação da Bovespa onde se inseriu os ditames da SOX, mostrando os efeitos dessa regulação globalizada.

1. O DIREITO SOCIETÁRIO BRASILEIRO

            O direito societário brasileiro está disciplinado dentro do novo Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/02), primeiro código civil nacional a tratar do conjunto de princípios e normas concernentes à estrutura e atividades das empresas. Tal matéria é tratada nesta lei em seu Livro II intitulado "Do Direito de Empresa", “que disciplina sobre a vida do empresário e das empresas, com nova estrutura aos diversos tipos de sociedades empresariais contidas no novo Código Civil.” (OLIVEIRA, 2009)

            A questão da sociedade é tratada pelo Código Civil Brasileiro no Capítulo único do Título II do Livro II em seus artigos 981 á 985, onde:

“Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. (Código Civil Brasileiro)

A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 do código civil. Dentre os vários tipos societários que existem no direito brasileiro o que será objeto de estudo pelo presente trabalho será a sociedade anônima, haja vista ser esta a que possui suas ações negociadas na bolsa de valores e que são passíveis de alinhamento com a SOX.

            As sociedades anônimas são regidas pela Lei 6.404/76, e, em caso de omissão, subsidiariamente pelo Código Civil.

            Podemos extrair o conceito de sociedade anônima da própria lei:

Art. 1º A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas” (Lei 6.404/76).

            Fábio Ulhoa Coelho definia a sociedade anônima com “uma sociedade de capital”. Isso quer dizer, na lição do ora citado autor que “os títulos representativos da participação societária (ação) são livremente negociáveis. Nenhum dos acionistas pode impedir, por conseguinte, o ingresso de quem quer que seja no quadro associativo” (ULHOA; 2007, p. 185).

Como o nosso sistema legal adotou o fundamento clássico institucionalista, para sociedades anônimas, organizou assim o mercado de capitais de forma a instituir um órgão de fiscalização. O órgão delegado pela lei 6.385/76, que dispões sobre mercado de valores mobiliários, é a CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

            Nas palavras de Rubens Requião “a CVM constitui uma entidade autárquica, em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônios próprio, dotada de autoridade administrativa independente e sem subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, dotada de autonomia financeira e orçamentária” (REQUIÃO; 2009, p.22).

            Dentre as competências da CVM estão as de “exigir que as demonstrações financeiras dos emissores, ou que as informações sobre o empreendimento ou projeto, sejam auditadas por auditor independente nela registrado” (art. 2º, § 3º, II da Lei 6.385/76).

            Como se observa a CVM é o órgão responsável pela fiscalização e controle do mercado de valores mobiliário. Quem faz a negociação dos valores mobiliários, por sua vez, não é a CVM e sim a Bolsa de Valores. Como bem explana Fábio Ulhoa Coelho e texto do ministério da fazenda:

 A Bolsa de Valores é uma entidade privada, resultante da associação de sociedades corretoras, que exerce um serviço público, com monopólio territorial; sua criação depende de autorização do Banco Central e seu funcionamento é controlado pela CVM.” (ULHOA; 2007, p. 186)

“As bolsas de valores são também os centros de negociação de valores mobiliários, que utilizam sistemas eletrônicos de negociação para efetuar compras e vendas desses valores. No Brasil, atualmente, as bolsas são organizadas sob a forma de sociedade por ações (S/A), reguladas e fiscalizadas pela CVM. (BOVESPA)

            A principal Bolsa de valores do Brasil é a BM&FBOVESPA S/A, uma empresa caracterizada como sociedade anônima, surgida em 2008 com a integração de duas grandes bolsas de valores: a Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) e a Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA). A BM&FBOVESPA S/A é popularmente conhecida ainda hoje como BOVESPA e administra os mercados de Bolsa e de Balcão e Organizado e também é responsável por administrar o mercado de bolsa de derivativos e de futuros.

            A INSTRUÇÃO CVM nº 312, de 13 de agosto de 1999, tratando sobre a admissão à negociação de valores mobiliários em bolsas de valores dispõem em seu art. 2º que “a bolsa de valores pode estabelecer requisitos mínimos para a admissão de valores mobiliários à negociação em seu recinto ou sistema”.

“As bolsas têm ampla autonomia para exercer seus poderes de auto-regulamentação sobre as corretoras de valores que nela operam. Todas as corretoras são registradas no Banco Central do Brasil e na CVM.” (BOVESPA)

            Como a citada Instrução, a BOVESPA pode agora disciplinar alguns requisitos para que empresas possam participar do mercado de ações. Essa disciplina se vê, por exemplo, na criação do Novo Mercado que, como foi dito anteriormente, as companhias se comprometeriam voluntariamente a adoção de práticas de governança corporativa. Ora, percebe-se claramente o desvio da corrente institucionalista para a contratualista.

Em um movimento interessante, pois contrário a uma tendência histórica e natural, muito bem percebido pela doutrina, a mudança foi de uma solução institucional para a contratual.” (SALOMÃO; 2006, p. 57)

 

            Essa disciplina exercida pela BOVESPA é percebida, por exemplo, na criação do chamado Novo Mercado, onde as companhias se comprometeriam voluntariamente a adoção de práticas de governança corporativa, além dos compromissos já existentes na legislação.

A adesão ao Novo Mercado é voluntária, e efetivam-se através de assinatura de um contrato entre a Companhia, seus controladores, administradores e a BOVESPA. “Pelo contrato, as partes acordam em cumprir o Regulamento de Listagem do Novo Mercado, que consolida todos os requisitos adicionais desse segmento e, também, adotam a arbitragem para a solução de eventuais conflitos societários que possam surgir. O contrato é imprescindível, pois, enquanto estiver em vigor, torna obrigatório o cumprimento dos requisitos do Novo Mercado, tendo a BOVESPA o dever de fiscalizar e, se for o caso, punir os infratores.”

O novo mercado trás consigo um “novo” direito societário, na medida em que transforma as relações das empresas que se disponham a ele aderirem.

2. ABERTURA DE CAPITAL

            O mercado de capitais vem crescendo a cada dia. "Não há dúvida de que os emergentes são o motor da economia global e os IPOs (ofertas iniciais de ações) são um reflexo disso". Essa foi a constatação do diretor da Ernst & Young, Gil Forer, em matéria do dia 01/11/2007, publicada no site http://br.chineseembassy.org.

            A explicação para esse crescimento pode ser dado pela busca das empresas por formas de financiar seus projetos de forma mais barata. Corrobora conosco Ana Claudia Matheus Vieira e  Edson Ferreira de Oliveira quando dizem que:

A abertura de capital é uma alternativa, ao invés dos financiamentos bancários. Deste modo, a companhia abre um leque de opções para investidores potenciais, não somente no Brasil como também no exterior”. (VIEIRA; 2007)

            Com o fenômeno da globalização, vem acontecendo, a cada dia, uma maior convergência dos mercados. As empresas não se limitam mais apenas a seu território e buscam, além das fronteiras, forma de alavancar investimentos e tornarem-se mais competitivas.

            O multinacionalização deixou de ser exclusividade dos países desenvolvidos. Nos países em desenvolvimento, como o caso do Brasil, essa já é uma realidade latente. É o que observamos no relatório produzido pela auditoria KPMG:

No Brasil, a multinacionalização aconteceu com quase um século de atraso em relação a empresas européias e americanas, que tiveram seu processo iniciado após a primeira Guerra Mundial. Todavia, este processo vem crescendo vigorosamente nos últimos anos, impulsionado principalmente pelos cenários econômicos nacional e internacional favoráveis e pela valorização do Real”. (KPMG; 2008)

            Cresce de maneira tão vertiginosa esse fenômeno que, no mesmo relatório, mais a frente, observou-se que:

Os pioneiros iniciaram tal processo na década de 70, mas em 2006, pela primeira vez na história, o volume de investimentos brasileiros diretos no exterior ultrapassou o volume de investimentos estrangeiros no País”. (KPMG; 2008)

            Outros dados que podem ser extraídos do relatório é que o “Brasil figura como 19º maior receptor de investimentos do mundo. Só em 2006, o Brasil recebeu US$ 19 bilhões em investimentos”. Outra posição de destaque é no tocante a exportação de capital onde o Brasil figura “12ª posição do ranking dos maiores investidores do mundo, superando países como Austrália, China, Rússia e Suécia, entre outros”.

            Como se observa, a abertura de capital no estrangeiro é de fundamental importância para o desenvolvimento econômico do Brasil. Mas é de bom alvitre lembrar que, tendo em vista que os negócios serão realizados no mercado estrangeiro, as empresas brasileiras deveram adequar-se a legislação daqueles países.

            Essa adequação trás a tona um choque cultural, no que tange a legislação societária de cada país, pois, não existe uma unificação do direito societário, fazendo com que as empresas busquem mecanismos que supram as exigências e as necessidades de ambos os modelos, o nacional e o estrangeiro, simultaneamente.

CONCLUSÃO

            Observamos o fenômeno de uma lei promulgada nos Estados Unidos ter efeitos no território brasileiro. O mais interessante é que essa vinculação se dá de forma transversal, pois não existe uma convenção formal para sua efetividade em território nacional.

            A vinculação de empresas nacionais que possuem ações negociadas no mercado americano.

            Outra forma, como visto, foi a adoção dos dispositivo da lei pela BOVESPA, na fixação de clausulas contratuais em seu Novo Mercado, extendendo assim as obrigações impostas pela lei societária brasileira. Diga-se de passagem, a BOVESPA, apesar de não ter competência legislativa no que diz respeito a Direito Societário, por meio de um acordo contratual incorporou, de certa forma, essa competência.

 

            A forma de um dispositivo normativo internacional entrar no Brasil é por meio de tratado e, como visto, a SOX não entrou no mercado brasileiro por meio de nenhum organismo internacional mas foi o próprio mercado que se encarregou disso.

Esse fato se dá, como observa Salomão (2006), porque “paralisadas as instâncias institucionais, sobra aos particulares, convencidos da necessidade da ética e da aplicação de princípios cooperativos para sobreviver, implementá-los por via contratual”.

            Diante da omissão legislativa o mercado passou a buscar soluções não institucionais como a regulação por meio do Novo Mercado da BOVESPA. É o que observa Calixto Salomão Filho:

Paralisadas as instâncias institucionais, sobra aos particulares, convencidos da necessidade da ética e da aplicação de princípios cooperativos para sobreviver, implementá-los por via contratual”. (SALOMÃO; 2006)

 

REFERÊNCIAS

 

BOVESPA.  Novo Mercado. Disponível em: Acesso em: 24/03/2009

EMBAIXADA DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA NO BRASIL. China e Brasil lideram em abertura de capital de empresas. Ano: 2007. Disponível em: Acesso em: 22/03/2009.

JUNIOR, SEBASTIÃO BERGAMINI. A Crise de Credibilidade Corporativa. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 9, n° 18, P. 33-84, DEZ. 2002.

Lei 10.406/02 - Código Civil Brasileiro.

KPMG no Brasil. Multinacionais BrasileirasA Rota dos Investimentos Brasileiros no Exterio. Ano: 2008. Disponível em: <http://www.kpmg.com.br/publicacoes/tax/Multinacionais_Brasileiras_08_portugues.pdf>

Acesso em: 24/03/2009

 

Lei 6.404/76 – Lei das S/A

Lei 10.406/02 - Código Civil Brasileiro

OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Direito Empresarial Brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, no 90. Disponível em: Acesso em: 24  mar. 2009.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial – Editora Saraiva - Vol. 2 - 26ª Ed. 2009

SADY, João José. 1 A Lei Sarbanes-Oxley e o Movimento Sindical no Brasil. 2005. Disponível em: Acesso em: 22/03/2009

SALOMÃO Filho, Calixto. O Novo Direito Societário – Editora: Medeiros. 3ª Ed. Ano: 2006       

ULHOA Coelho, Fabio. Manual de Direito Comercial - Direito de Empresa - Editora: Saraiva. 19ª Ed. Ano: 2007.

VIEIRA, Ana Claudia Matheus e OLIVEIRA, Edson Ferreira de. Abertura de capital das empresas no Brasil:o estudo de caso da Natura Cosméticos S.A.Artigo. Revista da Pós-graduação. V. 01, n° 01. Ano: 2007. Dieponível em:

http://www.fieo.br/edifieo/index.php/posgraduacao/article/viewFile/50/104>

Acesso em: 24/03/2009.